Este artigo destaca o funcionamento dos processos médicos nos Conselhos Regionais de Medicina (CRMs) e no Judiciário, salientando a importância do advogado em ambas as esferas, como peça fundamental para assegurar uma defesa técnica e estratégica adequada para o médico.
O processo nos Conselhos Regionais de Medicina é de natureza administrativa, voltado à apuração de condutas que violam o Código de Ética Médica (CEM). Os CRMs atuam como julgadores e disciplinadores da classe médica, zelando pelo desempenho ético da profissão e o prestígio da medicina. Em contrapartida, o processo judicial, regido pelas normas processuais civis ou penais, tem natureza jurisdicional, com o objetivo de solucionar litígios envolvendo direitos fundamentais, como a liberdade, o patrimônio ou a integridade física.
Nos Conselhos Regionais, o objetivo principal é a proteção do exercício ético da medicina, analisando possíveis infrações cometidas por médicos contra o CEM. As penalidades podem incluir advertência, suspensão e até cassação do exercício profissional, conforme previsto na Lei nº 3.268/57. Já no Judiciário, o foco está em questões mais amplas, como responsabilidade civil ou criminal, onde se discute, por exemplo, a indenização por erro médico ou a responsabilização penal por lesões corporais ou homicídio culposo.
O processo ético-profissional (PEP) nos CRMs segue o Código de Processo Ético-Profissional (CPEP), conforme a Resolução CFM nº 2.306/2022. Este código prevê a tramitação sigilosa, a possibilidade de conciliação, termos de ajustamento de conduta (TAC), entre outros procedimentos. A apuração dos fatos pode incluir a análise de prontuários, oitivas de testemunhas e pareceres de câmaras técnicas, porém, sempre dentro da lógica administrativa (que não possui a mesma lógica judicial).
No Judiciário, a tramitação segue os códigos de processo civil ou penal. As etapas processuais incluem a citação, defesa, instrução probatória, sentença e, eventualmente, recursos. As provas são mais amplas e envolvem laudos periciais, depoimentos, e muitas vezes a decisão judicial está vinculada à necessidade de reparar danos morais, materiais ou à aplicação de penas criminais.
Uma diferença importante está na autonomia das decisões. O julgamento administrativo nos CRMs é independente do julgamento cível ou criminal no Judiciário. Isso significa que um médico pode ser absolvido criminalmente, mas ainda assim sofrer sanções éticas no CRM. Da mesma forma, uma decisão judicial não anula automaticamente uma decisão administrativa, a não ser que a sentença penal absolutória seja baseada na inexistência do fato ou na ausência de participação do médico no ato infracional.
Embora o processo ético nos Conselhos Regionais tenha uma estrutura mais simplificada do que o processo judicial, ele demanda uma defesa técnica especializada.
O médico pode até praticar atos de defesa pessoalmente, mas a presença de um advogado com experiência no direito médico é fundamental para garantir que os direitos processuais sejam respeitados, desde a fase de sindicância até o julgamento pelo plenário do CRM.
A ausência de advogado não invalida os atos, mas compromete a estratégia de defesa, pois a experiência técnica é necessária para identificar falhas processuais, discutir a pertinência de provas e conduzir uma defesa técnica e bem embasada.
Em muitos casos, a prática de determinados atos pelos Conselhos Regionais pode ser decretada como nula ou anulável pelo Poder Judiciário, sendo este um dos grandes motivos que justificam a presença de um advogado no processo ético administrativo: Impedir que sejam tomadas medidas injustas e/ou ilegais pelos julgadores do CRM.
As sanções aplicadas pelos CRMs, como a suspensão do exercício profissional ou a cassação, têm consequências graves na carreira de um médico. A interdição cautelar pode ocorrer mesmo antes do julgamento final, e muitas vezes, esses processos exigem uma atuação rápida e eficiente do advogado para evitar prejuízos irreparáveis.
Além disso, o processo no CRM pode envolver discussões técnicas e complexas, como a análise de laudos periciais e prontuários médicos, onde o advogado desempenha um papel crucial ao contestar ou apresentar provas que favoreçam o médico.
No Judiciário, a presença de um advogado é imprescindível. A defesa em ações civis de responsabilidade por erro médico ou processos criminais pode envolver valores altos em indenizações ou até a perda da liberdade.
A defesa penal, em especial, demanda conhecimento especializado para lidar com o ônus da prova, que recai sobre a acusação, e com as nuances técnicas de cada área médica envolvida. Além disso, em processos cíveis, a presença de um advogado é necessária para discutir o nexo causal entre a conduta médica e o dano alegado pelo paciente, o que muitas vezes requer a apresentação de pareceres técnicos e periciais.
É altamente aconselhável que o advogado que atue nos processos médicos tenha conhecimento multidisciplinar em Direito e Medicina, para sustentar a defesa tanto na Lei como na literatura/bibliografia médica, fundamentando as condutas tomadas pelos médicos como justas e tecnicamente adequadas, dentro da boa prática da medicina.
A conexão entre os processos administrativos e judiciais torna a defesa jurídica uma estratégia única, onde o advogado deve atuar tanto nos CRMs quanto no Judiciário de forma articulada. Isso ocorre porque as mesmas alegações podem ser discutidas simultaneamente em ambas as esferas. Por exemplo, um médico acusado de erro ético por um paciente pode enfrentar um processo ético no CRM e, ao mesmo tempo, uma ação de reparação de danos no Judiciário. O acompanhamento coordenado é essencial para evitar contradições e garantir uma defesa coerente.
Os médicos, ao se depararem com processos ético-profissionais e/ou judiciais, estão sujeitos a dois tipos de jurisdição que, apesar de independentes, podem gerar sanções que afetam diretamente sua reputação e sua capacidade de exercer a profissão.
A defesa em ambos os foros exige conhecimento técnico especializado e a capacidade de lidar com normas processuais e provas complexas, tornando indispensável a atuação de um advogado especialista na área.
A proteção dos direitos do médico e a garantia de um julgamento justo só podem ser alcançadas com a assistência jurídica adequada, capaz de navegar pelas especificidades do processo ético-administrativo e judicial.
Prof. Dr. Murilo Rebouças Aranha
OAB/SP nº 388.367
Professor Titular da Disciplina de Código de Ética Profissional na FAEM
Membro da Comissão de Direito Médico da OAB/SP
Especialista em Direito Médico e da Saúde pela Faculdade FaSouza
Autor: Prof. Dr. Murilo Rebouças Aranha
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